Estamos
em plena época de festas, sobretudo de carácter religioso, onde, ao contrário
do que seria de esperar, o profano é rei e senhor.
Pela
minha maneira de ser nunca fui assíduo frequentador de festas, religiosas ou
não, tendo apenas participado em procissões enquanto criança e no início da
minha juventude. Se não me falha a memória, só terei participado em algumas
coroações do Divino Espírito Santo, na minha terra natal, e em procissões de
São Miguel Arcanjo, que se realizam anualmente em Vila Franca do Campo,
integrado nos acompanhantes de Santo Antão, o padroeiro dos lavradores e
protetor dos animais, pois sou oriundo de uma família de camponeses e de
lavradores da Ribeira Seca.
Estou
convencido que na altura, década de 60 e 70 do século passado, mais do que
agora, a maioria dos participantes o faziam por motivos religiosos, por
acreditarem na ajuda divina, ou para manterem as tradições herdadas dos seus
antepassados.
Hoje,
embora alguma fé se mantenha, as procissões são também autênticos desfiles de
moda, quando não são palcos onde se vai para ganhar visibilidade junto de
futuros e potenciais eleitores. O que nunca me passou pela cabeça foi que,
entre os participantes em procissões religiosas, havia gente que recebia ajudas
de custo por estar presente.
De
acordo com várias informações recebidas, mesmo nas coroações, onde há pouca ou
nenhuma intervenção da hierarquia da igreja, houve, este ano, alterações em
relação aos participantes. Se habitualmente eram apenas os habitantes das ruas,
localidades ou freguesias e alguns convidados, sobretudo familiares dos
mordomos, hoje, já se incorporam os eleitos locais e representantes políticos
da posição e da oposição.
Associados
aos impérios, têm-se realizado cortejos etnográficos com os tradicionais carros
de bois, as carroças puxadas por cavalos, bois ou vacas e até, as mais
pequenas, por cabras e ovelhas.
Até
seria capaz de elogiar estas últimas iniciativas, pois fazem-me voltar à minha
infância, se não tivesse assistido a um desfile promovido por um estabelecimento
do primeiro ciclo do ensino básico. Com efeito, sempre que era necessário fazer
parar ou por em movimento um determinado carro, a solução encontrada pelo
“condutor” foi bater no focinho de dois bois com uma cana (bambu). Este
procedimento para além de ser um ato deseducativo, fez-me lembrar a luta
travada, por Alice Moderno e pela Sociedade Micaelense Protetora dos Animais,
há cem anos, em defesa dos animais de tiro, que na época eram as principais vítimas
de maus tratos.
Mas
infelizmente os maus exemplos não se ficam pelas procissões e cortejos
etnográficos. Com efeito, influenciados por propaganda enganosa, ou querendo
imitar o que de mau e bárbaro se faz noutras paragens, alguns mordomos e
comissões de festas religiosas, decidiram manchar as suas festas, desviando os
dinheiros, que deviam ser usados na propagada solidariedade e partilha de bens,
sobretudo alimentares, com os mais carenciados, promovendo touradas à corda
nesta ilha do arcanjo.
Num
dos casos que me foi relatado, vieram os animais de outra ilha e acompanhá-los
veio, também, uma avantajada comitiva que terá custado couro e cabelo.
Perguntado sobre o esforço efetuado para pagar todas as despesas envolvidas
para trazer aquele verdadeiro séquito real, a resposta obtida foi que não havia
problema, como o saldo do império era muito alto e como não queriam continuar a
fazer a festa, a melhor opção era gastar o dinheiro disponível.
Em
pleno século XXI, quando, um pouco por todo o mundo, se apela à harmonia
universal, não faz qualquer sentido introduzir numa ilha uma tradição que está
a desaparecer em todo o mundo por anacrónica e bárbara e incoerente com os
valores de respeito para com todos os seres sencientes.
Sobre
a associação entre as festas do Espirito Santo e os animais, nunca é demais lembrar
Alice Moderno, que, em 1914, escreveu:
“É certamente uma época alegre para o
povo, mas quem paga a patente são os pobres bois, que são abatidos em grande
número, depois de passeados pelas ruas com adornos de flores, o que faz lembrar
a época do paganismo.”
Basta o sacrifício dos bois, na minha terra dizíamos gueixos, que são
abatidos para a alimentação. Não é necessário torturar animais, com mais ou
menos “suavidade” para divertimento de uns poucos que, ainda, segundo Alice
Moderno, de homens só têm a forma.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 4 de Julho de 2012)
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