28.9.11
Alice Moderno e as Touradas
ALICE MODERNO E AS TOURADAS
“Lembra-te sempre que ao maltratares um animal vais ferir a tua própria dignidade” (Alice Moderno)
Alice Moderno que foi jornalista, escritora, agricultora e comerciante foi uma mulher que pugnou pelos seus ideais republicanos e feministas, sendo uma defensora da natureza e amiga dos animais.
Na sua luta em defesa dos animais, Alice Moderno não foi especista, isto é não discriminava os animais tendo em conta a sua espécie. Assim, no seu jornal “A Folha” todos os animais (cães, gatos, cavalos, aves, touros, etc.) foram dignos da sua atenção e dos seus colaboradores. Mas como em São Miguel na altura em que ela viveu os grandes problemas estavam relacionados com a morte, por envenenamento e por atropelamento, de cães e os maus tratos aos animais de tiro, foram estes últimos que foram alvo de uma maior referência.
Para além dos apelos de das denúncias tornados públicos através de “A Folha” e do seu envolvimento na criação e no funcionamento da Sociedade Micaelense Protectora dos Animais, uma das suas grandes preocupações foi a criação de um posto veterinário para tratamento de todos os animais. A propósito da necessidade de tratar todos os animais dizia ela:
“Caridade não é apenas a que se exerce de homem para homem: é a que abrange todos os seres da Criação, visto que a sua qualidade de inferiores não lhes tira o direito aos mesmos sentimentos de piedade e de justiça que prodigalizamos aos nossos semelhantes”.
Alice Moderno, também não foi indiferente às touradas, pois não seria coerente consigo mesmo condenar o uso da aguilhada que não é mais do que um “pau delgado e comprido, ordinariamente com ferrão na ponta, para picar os bois na lavoira e na carretagem” e nada dizer sobre os ferros com que são martirizados os touros nas touradas de praça.
Assim, o jornal “A Folha” deu guarida a diversos textos sobre touradas, a maioria dos quais da autoria do zoófilo Luís Leitão.
Numas notas de Luís Leitão, datadas de 1910, este faz referência à proibição das touradas na República da Argentina e à tentativa, dos espanhóis, de organizar touradas em Paris, em 1889, por ocasião de uma exposição, o que levou a que alguém protestasse nos seguintes termos: “As corridas de touros exibidas na época actual, em Paris, no coração da França, no meio de tanta maravilha da arte e da indústria seriam um anacronismo, uma monstruosidade, uma acção má”.
Foi convidada e assistiu contrariada a uma tourada, na ilha Terceira, e não ousou comunicar aos seus amigos, considerando-os “semi-espanhóis no capítulo de los toros”, o que pensava pois, escreveu ela, “não compreenderiam decerto a minha excessiva sentimentalidade”.
Na sua carta XIX, referindo-se à tourada a que assistiu escreveu o seguinte:
“É ele [cavalo], não tenho pejo de o confessar, que absorve toda a minha simpatia e para o qual voam os meus melhores desejos. Pobre animal, ser incompleto, irmão nosso inferior, serviu o homem com toda a sua dedicação e com toda a sua lealdade, consumindo em seu proveito todas as suas forças e toda a sua inteligência! (…) Agora, porém, no fim da vida, é posto à margem e alugado a preço ínfimo, para ir servir de alvo às pontas de uma fera, da qual nem pode fugir, visto que tem os olhos vendados!”
“E esta fera [touro], pobre animal, também, foi arrancada ao sossego do seu pasto, para ir servir de divertimento a uma multidão ociosa e cruel, em cujo número me incluo! (…) Entrará assim em várias toiradas, em que será barbaramente farpeada até que, enfurecida, ensanguentada, ludibriada, injuriada, procurará vingar-se, arremessando-se sobre o adversário que a desafia e fere. Depois de reconhecida como matreira, tornada velhaca pelo convívio do homem, será mutilada”.
O terceirense Adriano Botelho tem uma opinião muito semelhante a Alice Moderno, como se pode concluir através da leitura do texto que abaixo se transcreve:
”…fazem-se por outro lado, reclames entusiastas de espectáculos, como as touradas de praça onde por simples prazer se martirizam animais e onde os jorros de sangue quente, os urros de raiva e dor e os estertores da agonia só podem servir para perverter cada vez mais aqueles que se deleitam com o aparato dessa luta bruta e violenta, sem qualquer razão que a justifique”.
Teófilo Braga
Correio dos Açores, 28 de Setembro de 2011
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