28.12.11
Parlamentar ou para lamentar?
1- Falsear a história
Infelizmente não é apenas no que diz respeito à indústria tauromáquica que há quem pretenda alterar a história, ignorando as fontes ou deturpando os factos, para adequá-la às ideologias ou aos interesses dos que, hoje, dominam as sociedades.
Para que os historiadores das touradas não digam que não sabiam, abaixo divulgamos um texto de Alfredo da Silva Sampaio (1872 - 1918) que foi um médico açoriano que se notabilizou como naturalista, como fundador do primeiro posto de observação meteorológica na ilha Terceira e autor de uma vasta obra sobre a história, a geografia e a história natural daquela e que se insurgiu contra o barbarismo das touradas à corda, que na sua altura eram muito mais violentas/desumanas do que são hoje.
Sobre os promotores das touradas à corda, Alfredo Sampaio escreveu o seguinte:
“Ou são os impérios que promovem este divertimento público, ou qualquer influente político que, querendo ser grato aos seus amigos, promove e concorre com a maior parte das despesas.”
Terá sido para manter a tradição dos políticos financiarem as touradas que a ALRAA- Assembleia Legislativa Regional dos Açores decidiu organizar uma?
2- Tourada parlamentar
Como foi amplamente divulgado pela comunicação social, dos Açores, a integração de uma tourada à corda no programa das comemorações do Dia dos Açores, do presente ano, foi contestada por muitos cidadãos não só dos Açores, mas também do continente português e do estrangeiro.
Mas não foram só os cidadãos ditos comuns que criticaram aquela ideia/acção peregrina, que terá partido de algumas pessoas, muito bem conhecidas e que pouco adeptos eram de touradas, pelo menos na sua juventude. Com efeito, foram também contestadas por alguns deputados que não compareceram ao evento.
Sabe-se, também, que num sistema “partidocrático”, como o nosso, a democracia não passa de uma miragem e a independência dos deputados é um sonho que alguns gostariam de ter e que outros nem por isso, pois nasceram para serem submissos aos aparelhos partidários. Assim, para agradar às chefias e para não perderem um bom lugar nas listas de candidatos nas próximas eleições regionais, alguns deputados correram, a bom correr, para a dita tourada.
Ao que conseguimos apurar, os cerca de 350 (trezentos e cinquenta) e-mails enviados aos diversos deputados mencionavam que a Região estava “a subverter o seu papel, promovendo e instigando a violência e a discriminação e a fomentar a discórdia e a desunião, entre os açorianos, quando opta por esbanjar dinheiro público num espectáculo que cada vez mais pessoas contestam” e acrescentavam “quando o movimento pelos direitos dos animais - como já foi o das mulheres, dos negros, das crianças, dos velhos, dos deficientes - em todo o mundo ganha expressão e força, nos Açores perde-a” e terminavam “os Açores, como destino turístico de excelência, nomeadamente na sua ligação com a natureza, não pode pactuar com actividades que prejudicam o desenvolvimento dum turismo de qualidade ligado ao respeito pelos animais e valores naturais”. Além disso, os cidadãos que enviaram os e-mails para além de solicitarem para que os deputados manifestassem o seu repúdio pela realização da tourada no Dia dos Açores pediam para que os mesmos não comparecessem ao acto.
Espantados ficamos quando tomamos conhecimento de que o presidente da ALRAA havia considerado o primeiro e-mail como uma petição e os restantes como subscrições da referida petição. Será que ele (ou os seus serviços) teve o cuidado de verificar se o teor das mensagens era o mesmo?
Não se tratando quanto a nós de qualquer petição, a única razão que descortinamos para o que foi feito, terá sido uma eventual falta de “trabalho” por parte dos deputados que integravam a Comissão de Assuntos Sociais da ALRAA que, apesar de tudo, não deverão ter dispendido muita energia para chegar à conclusão de que a putativa petição não cumpria os requisitos necessários para o efeito, isto é não era endereçada ao Presidente da Assembleia, não indicava o nome completo do subscritor e o nome de documento de identificação válido e o respectivo domicílio.
Enfim, pura perda de tempo o que é inadmissível nos dias que correm.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 27019, p.14, 28 de Dezembro de 2011)
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