Concretizar o sonho de Alice Moderno
Como se não bastasse
toda uma vida empenhada na defesa de várias causas, com destaque para proteção
dos animais, Alice Moderno, no seu testamento, deixou uma verba necessária para
a construção de um Hospital Veterinário, onde os animais de companhia, em
especial os pertencentes aos mais desfavorecidos da sociedade, pudessem ser
devidamente tratados.
Um arremedo de
hospital começou a funcionar, em 1948, num pequeno pavilhão pouco espaçoso na
rua Coronel Chaves, onde até há alguns anos funcionou o CATE. As suas minúsculas
dimensões e por se assemelhar mais a um canil do que a um hospital fizeram com
que o mesmo nunca tenha chegado a ser oficialmente inaugurado.
Mais tarde, a Junta
Geral do Distrito de Ponta Delgada construiu um edifício na Estação Agrária, em
São Gonçalo, com um pouco mais de espaço. O mesmo foi dotado do material e da
aparelhagem necessária, tendo a sua manutenção ficado a cargo dos rendimentos obtidos
através do legado da benemérita Alice Moderno.
Nos primeiros anos,
sob a administração da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, presidida
pela Dona Fedora Serpa Miranda, com a colaboração da Junta Geral, foi
assegurada a enfermagem permanente aos pequenos animais e a consulta diária a
animais de todas as espécies, através do veterinário municipal de Ponta
Delgada.
Hoje, não se pode
falar em hospital veterinário pois no espaço existente funciona um consultório
veterinário que era, pelo menos até há pouco tempo, assegurado por vários
médicos veterinários que exerciam as suas funções a título privado. Segundo Ana
Coelho, em 2009, o número de atendimentos era diminuto e ainda existia graças à
boa vontade dos Serviços de Desenvolvimento Agrário e dos especialistas que ali
trabalhavam diariamente.
Todos os anos, ultrapassa largamente
dois mil o número de animais de companhia (cães e gatos) que são abandonados,
acabando na sua maioria por serem abatidos nos canis municipais ou atropelados
nas estradas. A título de exemplo, só no canil de Ponta Delgada, em 2009 deram entrada 2088 animais, tendo sido
encaminhados para adoção cerca de 780, o que significa que foram abatidos cerca
de 1300. Em 2010, deram entrada no mesmo canil 2177 animais, tendo sido abatidos 1278.
No atual contexto
socioeconómico da região, onde muitas pessoas perderam emprego e apoios sociais
e têm dificuldades em cumprirem o pagamento de todas as despesas destinadas à
sua sobrevivência com dignidade, prevê-se que aumente o número de animais que
não terão o devido acompanhamento médico veterinário e que aumente o número de
abandonos.
O esforço que é feito pelas associações
de proteção dos animais, que se debatem com falta de meios e de apoios
públicos, acaba por ser muito modesto pois, através dele, só uma pequena parte
dos animais irá conseguir tratamento adequado e uma percentagem, também,
pequena dos abandonados conseguirá um novo lar.
Sabendo-se que
estamos perante um problema humanitário e de saúde
pública cuja resolução não pode depender, exclusivamente, do setor privado da
atividade médico-veterinária, a situação só poderá ser alterada se
a Região Autónoma dos Açores tomar as devidas medidas legislativas no
sentido da promoção, por um lado, da esterilização dos animais errantes,
como método eficaz do controlo das populações, e, por outro lado, do incentivo
à adoção responsável.
Por último, para que a
memória de Alice Moderno, pioneira da proteção dos animais nos Açores, seja
respeitada sugere-se a transformando o atual Hospital Veterinário Alice
Moderno, em São Miguel, em hospital público, onde os animais temporariamente
a cargo de associações de proteção de animais ou de detentores com dificuldade
ou incapacidade económica possam ter acesso a tratamentos a preços simbólicos.
Este hospital poderia
ser cogerido pelas associações de proteção dos animais com atividade, em São
Miguel, em parceria com o Governo Regional dos Açores. Assim, seria respeitado
o desejo de Alice Moderno que era que fosse assegurado tratamento “aos pobres
irracionais desprotegidos da sorte”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 12 de Setembro de 2012)Concretizar
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