Defesa animal: o pioneirismo do jornal vilafranquense
“O Autonómico” (1)
Fundado
por António Rodrigues Carroça, o semanário “O Autonómico”, que se publicou em
Vila Franca do Campo, entre 1898 e 1943, foi um jornal que no que respeita à
questão animal esteve à frente do seu tempo, de tal modo que a grande maioria
dos textos que sobre o assunto publicou ainda hoje não perdeu atualidade.
A
maioria dos textos sobre a proteção animal surgidos naquele jornal
vilafranquense era da autoria de Luís Leitão, também colaborador de Alice
Moderno no seu jornal “A Folha”, cidadão que ao longo da sua vida combateu o
crime, a guerra, o alcoolismo e a tauromaquia e se bateu pelos direitos das
crianças e dos animais e propagandeou o feminismo e o vegetarianismo.
Num
texto, não assinado, intitulado “As Aves”, o autor, depois de condenar o
costume de “meter aves em gaiolas”, apresenta alguns conselhos sobre as
condições a que devem obedecer as mesmas com vista à manutenção das aves nas
melhores condições possíveis e como forma de “lhes adoçar as agruras do
cárcere, que não merecem, visto que não cometeram nenhum crime ou falta”.
Ainda
no mesmo texto, publicado a 5 de Junho de 1937, o autor recomenda a quem tem
pássaros engaiolados que após a morte destes não os substituam por outros
adquiridos para o mesmo fim e termina o seu texto com várias quadras
ilustrativas do seu pensamento sobre o assunto.
A
título de exemplo, a seguir, apresenta-se duas delas:
Deus
não me deu asas
Para
viver em prisão
Foi
p´ra voar, para amar
Dos
espaços a amplidão
Sofro
contudo um castigo
Injusto
porque mal não fiz.
A
falta de Amor nos homens,
Ai
de mim, assim o quis.
Outro
colaborador do jornal foi o jornalista e dramaturgo José Fontana da Silveira
(1891-1974), autor de diversas obras de carácter didático destinadas às
crianças, que, em 1914, escreveu: "Mentem todos os
que afirmem que os animais nasceram para servir de sustento ao homem ou para servirem de nossos
escravos… Se assim fosse teríamos de aceitar como perfeitamente lógica a
asserção, condenada atualmente, de que a exploração do homem pelo homem é uma
coisa imprescindível e que existe todo o direito do homem sacrificar os seus semelhantes,
visto que, como os animais, nós possuímos inteligência, vida, perceção, e somos
também sensíveis ao sofrimento."
A
12 de Março de 1938, Fontana da Silveira publicou um artigo sobre as abelhas.
No referido texto, para além de mencionar que as mesmas têm uma grande
importância para o aumento da produção das fruteiras e de “nem prejudicarem em
coisa alguma” cita Materlink que “afirmou ser difícil encontrar uma república
humana cujo plano abrace uma porção considerável dos desejos do nosso planeta;
uma democracia em que a independência seja ao mesmo tempo mais perfeita e mais
racional, e a vassalagem mais inteligente”.
A
20 de Maio de 1939, num texto intitulado Cemitério de Cães, Fontana da Silveira
relata o episódio de um cão que salvou 41 pessoas que estavam perdidas na neve
e que acabou por ser alvo de reconhecimento. No mesmo texto, o autor refere a
existência, em Paris, de um cemitério para cães, onde entre outros num epitáfio
é mencionado o facto de um cão ter salvado uma criança que se encontrava
prestes a morrer afogada.
Por
último, J. Fontana da Silveira refere-se ao facto das “manifestações de
gratidão e apreço pelos animais” dizerem “muito para quem souber compreender e,
principalmente, SENTIR”.
Hoje,
na nossa sociedade da “abundância”, pelo menos para alguns, o que mais abunda é
a falta de sentimento (e de compaixão) não só para com os animais ditos
irracionais mas também para com os humanos.
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, nº3007, 29 de Janeiro de 2014, p.16)
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