ANTERO DE QUENTAL IA À TERCEIRA PARA VER TOURADAS?
O senhor Francisco Coelho, que já foi presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, num texto intitulado “Sanjoaninas”, publicado no jornal Açoriano Oriental, no passado dia 30 de Junho, escreveu o seguinte:
“De referir também, a receção efusiva, agradecida e alegre com que os angrenses, uma vez mais, receberam as três marchas de S. Miguel, um hábito que já não se dispensa e que começa a ser encarado como presença obrigatória. Com alegria e divertimentos mútuos, numa manifestação natural e espontânea da unidade do povo açoriano. Pois se no Séc. XIX já Antero vinha à Terceira ver touradas…”
Não discutindo aqui gostos, por mais bizarros que eles sejam, como no caso em apreço pela tourada, que de acordo com Peter Singer “é um anacronismo, um resquício do passado, de uma era mais bruta, cruel e bárbara, poder-se-ia dizer, quando as pessoas se deleitavam assistindo ao sofrimento dos animais”, a afirmação de que “no Séc. XIX já Antero vinha à Terceira ver touradas…” se não for devidamente comprovada é no mínimo abusiva.
Do que já li de e sobre Antero de Quental até ao momento apenas tenho conhecimento de uma sua deslocação à ilha Terceira a 22 de Junho de 1874 para consultas de homeopatia com um médico local, tendo regressado a São Miguel a 26 de Agosto do referido ano.
Antero de Quental esteve na Terceira em 1874, ano em que a sua doença atingiu proporções assustadoras, privando-o de movimentos e incapacitando-o de fazer qualquer esforço. Se Antero foi ou não a touradas desconheço. Se gostava ou não de touradas também desconheço. Mas uma coisa é ir a uma tourada, outra coisa, muito diferente é ter interesse por elas ou mesmo gostar das mesmas.
Na sua ânsia de as divulgar, os aficionados terceirenses tudo fazem para que qualquer visitante vá assistir a touradas, quer de praça quer à corda. A título de exemplo, posso referir o caso de Alice Moderno que as odiava e que era “forçada” a lá ir para não ser antipática com os seus amigos.
Sobre as touradas Alice Moderno escreveu:
“E esta fera [touro], pobre animal, também, foi arrancada ao sossego do seu pasto, para ir servir de divertimento a uma multidão ociosa e cruel, em cujo número me incluo! (…) Entrará assim em várias toiradas, em que será barbaramente farpeada até que, enfurecida, ensanguentada, ludibriada, injuriada, procurará vingar-se, arremessando-se sobre o adversário que a desafia e fere. Depois de reconhecida como matreira, tornada velhaca pelo convívio do homem, será mutilada”.
Eu mesmo, quando vivi na Terceira fui a algumas touradas à corda a convite de amigos e colegas de trabalho e a uma de praça de onde saí horrorizado com a malvadez a que assisti.
Nos escritos de Antero de Quental ainda não encontrei qualquer apologia das touradas ou mesmo qualquer referência às mesmas. Paulo Borges, professor da Universidade de Lisboa, que tem estudado com profundidade a sua vida e obra, questionado por mim sobre o assunto escreveu: “não me recordo de qualquer texto onde ele mostre esse interesse. Pelo contrário, tudo o que sei dele, incluindo o amor que na sua poesia expressa pelos animais e por todas as formas de vida, deixam-me convicto que as touradas lhe repugnariam absolutamente”.
Invocar nomes de grandes vultos das ciências e das letras que foram fervorosos adeptos da tauromaquia é um dos argumentos mais usados para convencer os mais distraídos. Contudo, este argumento é facilmente rebatido pois existem outros tantos que consideram as touradas um espetáculo absurdo e horroroso.
No caso presente, só se poderá afirmar que Antero ia à Terceira ver touradas se o mesmo o fizesse com frequência e se as idas à referida ilha tivessem como objetivo principal assistir às mesmas.
Continuo à procura de provas…
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2841, 10 de Julho de 2013, p.13)