29.1.18

António Gonçalves Correia e a Caça



Notas Zoófilas (131)
António Gonçalves Correia e a Caça

António Gonçalves Correia (1886-1967) foi um anarquista português seguidor das ideias de Tolstói. Coerente com os ideais que defendia, para além de acérrimo defensor dos direitos humanos, foi defensor de todos os animais ditos irracionais.

Foi poeta e ensaísta, tendo colaborado em diversos jornais como “A Batalha”, “A Aurora” ou “O Rebelde”. Para a divulgação do seu pensamento fundou o jornal “A Questão Social” e publicou as obras “Estreia de um crente” e “A felicidade de todos os seres na sociedade futura”.

No opúsculo “Estreia de um crente”, publicado em 1917, em edição de autor, Gonçalves Correia publica uma carta dirigida a um caçador onde de forma pedagógica, embora não escondendo o que pensa, o tenta convencer a deixar de caçar lembrando-lhe que “(…) matar por prazer, como V. faz (…) nada mais é do que procurar impedir o avançar esta vida harmónica e vibrante a que todos têm direito!”.

Na carta, Gonçalves Correia, recomenda ao seu amigo que procure alternativas à caça, do seguinte modo:

“Um homem culto, um espírito superior, um indivíduo que tem à mão, conquistados pelo seu labor constante, material ou intelectual, os elementos precisos, dignos e morais, para a distracção do seu espírito, não pega em uma espingarda miserável para ir matar com diabólico prazer as inocentes avezinhas, cuja utilidade é incontestável, utilidade que de mil maneiras se manifesta. E V., que dispõe de elementos materiais razoáveis, que tem um cérebro normal, que tem um coração que sente, pode muito bem procurar outros prazeres mais dignificantes e mais razoáveis.

O leitor interessado no texto completo poderá recorrer à publicação mencionada ou ao número 276 do jornal A Batalha, de setembro-outubro de 2017, onde para além da carta terá acesso a uma introdução feita por Francisca Bicho.

Teófilo Braga
30 de janeiro de 2018

23.1.18

Nova Lei da Caça para alimentar velhos vícios


Nova Lei da Caça para alimentar velhos vícios

Foi aprovada recentemente uma nova legislação que regulamenta a caça nos Açores que, ao contrário de restringir a atividade que beneficia uma parte cada vez menor dos habitantes dos Açores, pretende dar mais alento a uma elite cada vez mais isolada. Com efeito, é cada vez maior o número de pessoas que condenam uma atividade que se faz, não por necessidade de alimentos, mas apenas para divertimento.

Dos argumentos apresentados para a continuação da matança da vida selvagem o mais usado pelos caçadores que se dizem ambientalistas é o “da manutenção” e o do “controlo da superpopulação” de algumas espécies.

A provar que aquele é um falso argumento aqui está uma parte da lista das espécies cinegéticas que não precisam de ser mortas para viverem: narceja-comum, narceja de Wilson, pato-real, perdiz-vermelha, perdiz-cinzenta e piadeira.

Os sucessivos governos dos Açores, quer do PSD quer do PS, não têm sabido defender o património natural do nosso arquipélago, estando ao serviço do lobby da caça, como prova o facto de criarem espécies em cativeiro, para depois as soltar para serem caçadas, usando dinheiros do orçamento regional que devia estar ao serviço de todos e não de apenas alguns.

Por último, não podíamos de referir a proposta absurda do PSD que queria incluir na lista das espécies cinegéticas o faisão comum. Neste caso, como seria mais uma espécie a ser criada com o nosso dinheiro, o PSD estaria a funcionar como Robin dos Bosques, mas ao contrário, isto é, a roubar aos pobres para dar à elite rica (ou que se faz) cá da terra.

José Oliveira
23 de janeiro de 2018

22.1.18

A Proteção às Aves há quase cem anos


Notas Zoófilas (130)

A Proteção às Aves há quase cem anos

No número 4319 do jornal Açoriano Oriental, publicado no dia 23 de fevereiro de 1918, os leitores daquele matutino puderam ler um interessante, e apesar de tudo ainda atual, texto, da autoria de F. Mira, intitulado “A Proteção às Aves”.

O texto foi publicado com destaque de primeira página, o que mostra a importância que os responsáveis pelo jornal davam a um assunto que hoje seria remetido para uma página interior, portanto sem o relevo que então mereceu.

Nos nossos dias o que conta são os grandes negócios, mesmo que sujos, a porca da política e as desgraças alheias, que infelizmente são os “temas” que fazem vender alguns jornais, uma parte dos quais sobrevivem de subsídios governamentais.

Depois desta introdução, deixamos aos leitores interessados alguns apontamentos deixados por F. Mira.

O autor, depois de citar um naturalista que afirmou que o mundo seria inabitável para o homem dez anos depois do desaparecimento das aves, estanha o facto de, por toda a parte, se destruírem as aves, sob os mais diversos pretextos.

Um dos exemplos apresentados, o primeiro, foi o da coruja que era considerada “um animal nocivo e de mau agouro” e acusada, injustamente, do “crime de beber o azeite das Lâmpadas” e que na verdade são “os melhores caçadores de ratos que se conhecem”.

De acordo com o autor que vimos citando, são alguns insetos os principais inimigos dos agricultores e são precisamente algumas aves os principais aliados daqueles. Como exemplo de aves auxiliares dos agricultores, F. Mira refere que “uma ninhada de carriças consome no ano três milhões de bichos; e o abelharuco, para criar os filhos duma ninhada, mais de 20 000 lagartas”.
Teófilo Braga
23 de janeiro de 2018

Desenho de Geral Le Grand

18.1.18

Daniel de Sá e a Fome de um Duque


Daniel de Sá e a Fome de um Duque

Daniel Augusto Raposo de Sá, natural da Maia, ilha de São Miguel, onde nasceu a 2 de março de 1944, morreu na mesma localidade no dia 27 de maio de 2013, depois de uma vida profissional e uma participação cívica e política dignas de registo.

Foi professor do primeiro ciclo do ensino básico, foi uma presença assídua na comunicação social, sendo colaborador de vários jornais. e foi um escritor de grande mérito, com uma vasta obra publicada.

Politicamente, esteve ligado ao Partido Socialista, tendo desempenhado com dedicação vários cargos. Sobre o assunto, com a modéstia que caracteriza os grandes homens, escreveu: “Meteram-me na política, onde tenho sido de tudo um pouco, menos membro do governo regional, porque, além de outras razões evidentes, de certeza não serviria para isso.”

Sobre a relação entre os homens e os outros animais, no dia 19 de janeiro de 2008, publicou no blogue Aspirina um magnífico texto, intitulado “A Fome de um Duque”, que abaixo se transcreve:

“Se as casas vazias não se queixam, nem os gatos parecem estranhar muito ausências a que não estão acostumados, os cães ficam aparvalhados, andam como órfãos, vagueando à procura dos donos e de comida.

O pastor estava no seu almoço de pão e presunto quando viu o Duque. O animal andava vagarosamente. Parou a uns dez passos à sua frente, ficando a seguir com o olhar os movimentos da mão entre a mesa de pedra e a boca. Chamou-o: “Anda cá, Duque.” Ele chegou-se-lhe sem pressas, que talvez nem pudesse, e ficou com a cabeça quase encostada à sua perna direita, à espera. O pastor partiu metade do pão e do presunto, para lhe dar bocadinho a bocadinho. O cão mastigou cada pequeno naco de presunto de um lado, depois do outro, saboreando a fome. Engolia batendo várias vezes os maxilares, fazendo uns estalidos secos com os dentes, de beiços muito molhados e ligeiramente despegados, como que tomando gosto à saliva.

Duque não tinha genealogia. Era um rafeiro cuja nobreza não ia além do nome, uma ironia. Mas tinha carácter. Seria incapaz de deixar os donos como quem abandona um cão.”

Teófilo Braga
18 de janeiro de 2018

Tourada é tortura não é cultura

16.1.18

Torda-anã


Torda- anã

Foi encontrada no Pico da Pedra, no dia 15 de janeiro uma ave marinha, denominada torda-anã (Alle alle) que possui plumagem preta e branca, com bico espesso e curto.

De acordo com a Wikipédia, “ nidifica nas regiões árcticas em latitudes muito elevadas (80 graus N) e inverna normalmente no mar acima do Círculo Polar Árctico (por exemplo no Mar de Barents, no estreito da Dinamarca e no Mar da Noruega). Mais para sul é pouco comum, sendo excepcional a sua ocorrência em Portugal.”

Esta ave que não é muito comum aparecer nos Açores, foi assinalada pela primeira vez por Godman na publicação “On the Birds of the Azores”, datada de 1866.

Damos os parabéns ao sr. Filipe Travassos que a recolheu e que tudo fez para que a ave fosse devolvida à liberdade depois, de devidamente observada por quem de direito.

Ainda ontem foi contatado o Centro de Reabilitação de Aves Selvagens de São Miguel que ficou de vir buscar a ave ao Pico da Pedra. Esperamos que o tenha feito.

Nota- agradecemos a Gerbrand Michielsen pela sua pronta identificação da ave.

Pico da Pedra, 16 de janeiro de 2018
TB

12.1.18

Tourada à corda é violência gratuita e desrespeito


Tourada à corda é violência gratuita e desrespeito

Não pode ser Património CulturaI Imaterial

Como se não houvesse mais nada de verdadeiramente útil para fazer em defesa da sua terra, os Açores, a deputada do Partido Socialista Lara Martinho, da Ilha Terceira, propôs, na Assembleia da República, que a tourada à corda seja classificada como Património Cultural Imaterial de Portugal.

Se esta pretensão já é má, péssima é a opinião do Ministro que devia ser da Cultura que admitiu que tal seja possível.

O Movimento pela Abolição da Tauromaquia de Portugal (MATP) já se pronunciou negativamente sobre a referida proposta e é uma das organizações subscritoras de uma petição (http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=tcordanaoepatrimonio) que entre outros assuntos denuncia as intenções e colocar as touradas à corda, que anualmente causam, em média, mais de 300 feridos e uma pessoa morta, na lista do Património Cultural Imaterial. As touradas, com ou sem corda devem ser colocadas no devido lugar, isto é no caixote do lixo da História.

Pelos animais, vítimas dos humanos, e pelos humanos, vítimas da ganância da indústria tauromáquica, tudo faremos para impedir que tal aberração aconteça.

(Vídeo ilustrativo do que é uma tourada à corda: https://www.youtube.com/watch?v=QBzu7ZBfOoI )

13 de janeiro de 2018
MATP/Açores

2.1.18

Contributos para a história da tauromaquia e da oposição à mesma na ilha de São Miguel (Açores): Séculos XIX e XX



Introdução

Quer se goste ou não, a verdade é que as touradas são uma anacrónica tradição da ilha Terceira que persiste até hoje com o apoio descarado das entidades governamentais e com a hipócrita ajuda da Comunidade europeia que não ignora que os apoios comunitários também servem para o fomento da criação de gado bravo.
Não podemos ignorar que alguns terceirenses, sobretudo os que lucram com a exploração animal, mais do que preocupados em manter a tradição tudo fazem para expandir o negócio, o que tem acontecido com mais ou menos sucesso nas outras ilhas, como é o caso da ilha Graciosa, onde numa primeira fase as touradas foram repudiadas.
Na ilha de São Miguel, com apoio de governantes, tudo têm feito para que os maus tratos a bovinos para divertimento se generalizam.
Neste texto, sintetiza-se o ocorrido nesta ilha antes do presente século e dá-se a conhecer algumas posições contra as touradas.
Não está fora do nosso propósito, num futuro que não queremos muito longínquo, descrever o que aconteceu no presente século e denunciar as pessoas individuais e coletivas envolvidas na promoção de touradas e outros tristes espetáculos com bovinos.

São Miguel, 2 de janeiro de 2018
José Soares



Contributos para a história da tauromaquia e da oposição à mesma na ilha de São Miguel (Açores): Séculos XIX e XX

É antiga, não há dúvidas, a prática de maltratar animais, tal como àquela sempre esteve associada a oposição aos maus tratos. O caso da tauromaquia não foge à regra, havendo ao longo dos tempos várias vozes que se opuseram à mesma em todos os países do mundo onde aquela existe ou já existiu.
No século XIX, a oposição à tauromaquia na ilha de São Miguel fez-se através das páginas dos jornais “O Repórter” e “O Sul”.
“O Repórter” dirigido por Alfredo da Câmara, um dos fundadores da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, no dia 11 de abril de 1897, num texto intitulado “Guerra de Morte às touradas” para além de criticar a tauromaquia, faz ironiza com as reportagens tauromáquicas e satiriza os jornais que a promovem.
Sobre os jornais podemos ler o seguinte: “

“Assim, vai dedicando à santa missão da educação do povo, extensos artigos em que relata até às últimas minudências as peripécias selváticas acontecidas nas touradas, soltando ao mesmo tempo profundos e dolorosos gemidos porque os touros perderam a ferocidade que apresentavam noutro tempo.
Estas lamentações fazem-nos crer que o touro é menos refratário à civilização do que o próprio homem, pois que vai diminuindo de ferocidade, enquanto o homem aumenta.”

Sobre os repórteres, o extrato seguinte diz-nos tudo sobre o pensamento do autor do texto:
“…Segue-se àquela interessantíssima narração uma outra em telegrama de Valência referindo que “os touros de Saltillo saíram muito bons”.
Se cá os houvesse assim, pagava-se com certeza o deficit.
“Morreram 14 cavalos”, diz ainda o telegrama.

Não pode haver espetáculo mais comovente e que melhor satisfaça um coração bem formado do que ver morrer 14 cavalos, em agonia prolongadíssima com o corpo transformado num crivo, deixando passar pelos buracos os intestinos, arrastando-os pela arena e pisando-os muitas vezes com as próprias patas!

O selvagem do correspondente do “Século” devia exultar de satisfação todas as vezes que via desaparecer as armas do touro no corpo de um misero cavalo, que recebia assim o pagamento dos serviços que prestou ao homem durante toda a vida trabalhando para ele!

Termina o selvagem a sua notícia dizendo que “foi uma corrida magnífica”!...

O jornal semanal “O Sul” , que se publicou em Vila Franca do Campo, em Julho de 1898, ridicularizou os espanhóis aficionados das touradas, através de um texto magistral que com as devidas alterações e atualizações se aplica ao que está a acontecer hoje na ilha Terceira, onde perante uma situação que poderá ser dramática para a mesma, em termos de aumento de desemprego, com a saída de militares norte-americanos da Base das Lajes, as elites quase só pensam em touradas. Para memória futura e porque é mais esclarecedor do que um resumo, aqui fica um excerto do texto mencionado:
“Viva los Toros
Ao passo que em Cuba e nas Filipinas os soldados espanhóis caem varados pelas balas dos insurgentes, a população de Madrid entrega-se levianamente ao seu espetáculo favorito, como se o estado do país fosse o mais próspero possível.
Há dias houve ali uma bezerrada, em que tomaram parte atores, jornalistas, etc.
Entretanto a pátria gemia..,.
Pois não gema!
A nacionalidade vai-se perdendo…
Pois não se perca!
E as derrotas têm sido formidáveis…
Que se amanhem!
….”
A 26 de outubro de 1920, o Diário dos Açores publicou um aviso, assinado pelo Barão da Fonte Bela, onde se pode ler que em reunião foi decidido, por unanimidade, passar o capitão subscrito da Empresa Tauromáquica para a “nova industria açoriana de fiação e tecidos”. Na mesma reunião foi indicada a comissão encarregada de elaborar os estatutos da nova empresa cuja constituição é a seguinte: Conselheiro Dr. Luís Bettencourt de Medeiros e Câmara, Frederico Carlos Santos Ferreira, Filigénio Pimentel, António Taveira do Canto Brum e Horácio Teves.

Em 1924, o jornal Correio dos Açores noticiou “para muito breve, algumas corridas de touros” em Ponta Delgada, esperando-se a chegada do toureiro Angelo Herren que vinha escolher o local onde iriam ser “lidados bravos touros do importante lavrador Corvelo, da Terceira”.
De acordo com o Correio dos Açores, de 16 de Julho de 1922 , viviam na Terceira dois irmãos Corvelo, o Manuel e o Cândido, que eram os maiores criadores de gado manso e bravo dos Açores.

Fonte: Correio dos Açores, de 16 de Julho de 1922
Ainda de acordo com a notícia que vimos citando, apesar da sua riqueza, “nunca se calçaram e descalços tomavam parte em sessões da Junta Geral, no exercício do mandato de Procuradores, sendo sempre a sua voz escutada com respeito”.
Por último, através do mesmo texto ficamos a saber que, para além de grandes lavradores e proprietários, eram também “dois grandes corações e dois perfeitos homens de bem” que gostavam de bem receber quem os visitava. Tal aconteceu aquando de uma ida à Terceira de um grupo de micaelenses, em 1919, que foram muito bem acolhidos “durante uma ferra de gado organizada em sua honra, a que compareceram alguns milhares de pessoas”.
Em 1933, a revista Insula, nº 17, de maio daquele ano publicitava a realização de uma tourada integrada num “Festival na Lagoa das Furnas”


Em janeiro de 1942, o Correio dos Açores noticiou a vinda de um ganadeiro da ilha Terceira com o objetivo de estudar a possibilidade de introduzir em São Miguel touradas de praça e à corda.
Na mesma notícia, o redator referiu que era “de esperar que sejam satisfatórios os planos de estudo a realizar, devendo já para a próxima época ser corridos em Ponta Delgada touros em praça e à corda nas várias regiões desta ilha”.
Para além das investidas na ilha de São Miguel, alguns terceirenses sempre que acolhiam pessoas de outras paragens com segundas intenções ou não, tudo fazem para que os mesmos assistam a atividades relacionadas com a tauromaquia. A título de exemplo, menciona-se que, em 1960, aquando da visita à Terceira de um grupo de estudantes micaelenses em que participaram o então aluno João Bosco da Mota Amaral e o vice-reitor Dr. José de Almeida Pavão Jr.., logo no primeiro dia, a seguir ao almoço, foram levados para uma tenta que, para Cristóvão de Aguiar , outro dos participantes, é “uma espécie de tourada de praça com novilhos”
Desconhecemos se chegou a haver espetáculos tauromáquicos resultantes destas duas tentativas da indústria tauromáquica, mas a 25 de março de 1961, o Correio dos Açores , num texto intitulado “Touradas em São Miguel” informa que “há muitos anos para os lados da Vitória, houve uma “experiência” tauromáquica em São Miguel, que malogrou”.
Em 1961, de acordo com o referido jornal a indústria tauromáquica voltou a investir no mercado micaelense através da juventude liceal de Angra que se deslocou a Ponta Delgada trazendo consigo touradas de praça e de corda.
No referido ano, a tortura andou à solta, em Ponta Delgada, tendo ocorrido várias touradas que mancharam algumas festas religiosas a que não escapou a realizada em homenagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
No ano mencionado, “o domingo de Páscoa, assinalado na vida lisboeta, como o da abertura oficial do Campo Pequeno, foi escolhido para ser entre nós o da moderna tentativa de uma tourada de praça, a qual terá lugar no recinto do Cine Solar, pelas 16 horas, em que farão a sua aparição dois espadas, três bandarilheiros e um grupo de sete forcados capitaneados por Carlos Alcáçova”.
A publicidade do evento foi entregue à SPAL e o diretor da tourada de praça foi o Dr. Rafael Valadão dos Santos, sendo o empresário Marcelo Pamplona o qual tinha a pretensão de, se o espetáculo vingasse, passar a exercer a sua atividade em duas ilhas.
No dia seguinte, também pelas 16 horas, realizou-se uma tourada à corda na Avenida Príncipe do Mónaco.
Em 1961, as festas da cidade de Ponta Delgada, as maiores festas religiosas dos Açores, realizadas em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres foram manchadas pelo derramamento de sangue de animais (touros) para pura diversão de alguns sádicos que se dizem humanos. Com efeito, a Agência de Publicidade SPAL voltou a colaborar com um grupo de terceirenses na organização de dois festivais tauromáquicos que se realizaram nos dias 8 e 11 de maio, respetivamente segunda-feira e quinta-feira do Santo Cristo.
Nesta segunda investida da indústria tauromáquica terceirense, em 1961, recorde-se que a primeira ocorreu pela Páscoa, para além de touros das ganadarias de José de Castro Parreira e José Diniz Fernandes, vieram da ilha Terceira os amadores Henrique Parreira e Amadeu Simões e o grupo de forcados chefiados pelo cabo Osvaldo Simões que na sua estreia terá feito uma pega de costas. Para as duas touradas de praça, veio “expressamente de Madrid” o famoso matador espanhol Luís Lucena.
Na segunda tourada realizada o cabo dos forcados foi levado pelo touro de um extremo ao outro da praça até embater num muro. Levado ao hospital pela ambulância dos bombeiros voluntários foi-lhe diagnosticada “uma simples comoção sem fracturas” .
Para além das duas touradas, realizou-se uma garraiada onde atuaram oito “neófitos micaelenses”.
De acordo com o jornal Correio dos Açores os três novilhos foram lidados por António Manuel da Câmara Cymbron, Luís Ricardo Vaz Monteiro de Vasconcelos Franco e Henrique Machado Soares e como forcados atuaram Victor Manuel Rebelo Borges de Castro, Luís Fernando da Câmara Cymbron e João de Sousa Duarte com o auxílio de Luís Manuel Athayde Mota e António Manuel Rebelo Borges de Castro.
Na altura, o entusiasmo pelas touradas era tanto que era muito falada a construção de uma Praça de Touros em Ponta Delgada, tendo sido aventados um terreno pertencente à Câmara Municipal de Ponta Delgada na rua da Mãe de Deus, em frente ao Foral da Misericórdia, e um outro pertencente a particulares localizado em São Gonçalo.
A adesão de alguns micaelenses às touradas em 1961 causou algum pânico na ilha Terceira como se poderá confirmar através de alguns textos publicados nos jornais daquela ilha.

Assim, a 20 de Abril de 1961, a ANI transcreveu uma notícia do Diário Insular onde se afirmava que uma subscrição para a construção de uma praça de touros em São Miguel já havia recolhido cerca de 2000 contos. Na mesma notícia ainda se pode ler o seguinte: E a piada reside exactamente, desde que se confirme a notícia da tal subscrição, no facto de S. Miguel ameaçar desviar da Terceira o centro tauromáquico do arquipélago com a construção de uma praça que, naturalmente, destronaria a velha Praça de S. João” e continua: “Podem não achar-lhe qualquer piada os aficionados terceirenses, mas a verdade é que o facto não deixa de a ter. Ou não terá?”
De igual modo, o Jornal A União, citado pelo Correio dos Açores, de 4 de Maio de 1961, também publicou um texto intitulado “Virou-se o feitiço…” onde a dado passo pode ler-se:

“Por bem fazer…mal haver. A embaixada académica (Liceu) que foi a S. Miguel e quis levar até aos nossos irmãos micaelenses um pouco daquela descuidada alegria que as Touradas emprestam à mocidade terceirense, deve estar agora convencida de que, indo “por bem”, o seu esforço redundou num péssimo serviço prestado à ilha Terceira. Lançando em Ponta Delgada o “vírus” da Festa Brava, mudaram possivelmente o “eixo” desse atractivo até há pouco “exclusivamente terceirense” em terras Açorianas, criando-se mais uma situação “subsidiária” de que não será fácil furtar-nos dentro de pouco tempo”.

Ainda a atestar o interesse pelas touradas, o Correio dos Açores noticiou a organização de uma excursão de micaelenses à Terceira para assistirem a uma tourada de gala que se realizou a 3 de julho de 1961 e que contou com a participação do toureiro português António dos Santos e do “matador” espanhol Orteguita, onde foram corridos touros vindos do continente português.

Em 1962, o jornal “A União”, de 8 de março, publicou um artigo assinado por Estirau, onde este se refere à criação, em São Miguel, de um Clube Taurino que já possuía uma sede “com livros, revistas e jornais da especialidade” e acrescenta que os promotores da iniciativa já possuíam 2000 contos para a construção de uma praça de touros.
Sobre o futuro das touradas em São Miguel, o autor mencionado previa, com alguma tristeza, que seriam um sucesso, nos seguintes termos: “depois de se acostumarem a tal divertimento não querem outro, e nós, terceirenses, ficamos em 2º lugar”.