29.2.16
Ainda sobre o colóquio promovido pela Câmara Municipal de Ponta Delgada
Ainda sobre o colóquio promovido pela Câmara Municipal de Ponta Delgada
No passado dia 26 de fevereiro, estive presente no Centro Cívico de Santa Clara a assistir às várias comunicações apresentadas no colóquio “As parceiras como modelo de atuação para a implementação de canis de acolhimento” promovido pela Câmara Municipal de Ponta Delgada.
Tal como esperava nenhum dos oradores convidados me defraudou, isto é todas as comunicações cativaram o público, tanto as que apresentaram as experiências e as situações locais como as que apresentaram pistas para onde se deve caminhar em São Miguel.
Não vou, por razões de tempo e de espaço, fazer referência a todas as comunicações apresentadas já que correria o risco de repetir a nota de imprensa da Câmara Municipal de Ponta delgada que sintetiza muito bem o que lá se passou. Assim, neste texto limitar-me-ei a apresentar alguns aspetos que considero relevantes, quer porque se referem a alterações em relação ao passado, quer por terem suscitado algumas dúvidas e que importa serem abordados pelas várias entidades.
Vou começar pela intervenção do Diretor Regional da Agricultura que mencionou e muito bem que o abate compulsivo de animais errantes não era solução e falou no Projeto Alice Moderno e no concurso “os animais também sentem”.
Estava à espera de mais, já que normalmente os políticos aproveitam estas ocasiões para apresentarem os projetos que têm para o futuro. Assim, através do seu silêncio fiquei com a sensação ou quase certeza de que nada está programado e de que o Projeto Alice Moderno foi pontual e muito limitado que nem parceria teve com quem está no terreno, as associações animalistas e os voluntários a título individual. Quanto ao futuro do Hospital Alice Moderno nem uma referência mereceu.
Uma intervenção que me surpreendeu pela positiva, pois antes tinha a sensação de que a Ordem dos Médicos Veterinários era, como dizem os políticos, uma força de bloqueio à implementação de uma nova política para os animais der companhia, foi a do recém-eleito bastonário que falou no conceito de uma só saúde e na possibilidade da existência de uma bolsa de horas dos médicos veterinários para esterilizações, onde apenas seriam cobrados os custos materiais e não os honorários.
Termino com uma questão que voltou a ser debatida, a de um canil intermunicipal. Sobre este assunto, não tenho, de momento, uma opinião formada. Com efeito, havendo uma aposta séria na diminuição dos abandonos, através de um canil intermunicipal, bem gerido, será possível rentabilizar recursos humanos e não só. Por outro lado, devendo todas as autarquias possuir um veterinário-municipal, a existência de canis municipais, permitirá o envolvimento da sociedade na sua gestão ou apoio em termos de voluntariado, poderá fomentar a participação cívica através do associativismo animalista, facilitará as adoções e poderá ser um contributo para a criação de postos de trabalho.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30873, 1 de março de 2016, p.13)
27.2.16
Vereadora responsável pelo Canil Municipal de Ponta Delgada afirma que “vamos fazer melhor”
Vereadora responsável pelo Canil Municipal de Ponta Delgada afirma que “vamos fazer melhor”
A Vereadora Luísa Magalhães, que tutela a área da energia, ambiente, recursos naturais, espaços verdes e vida animal, afirmou, hoje, na abertura do colóquio “As parcerias como modelo de atuação para a implementação de canis de acolhimento”, que “esta iniciativa vem ao encontro do trabalho que a nossa Autarquia tem vindo a desenvolver, desde há uns anos, para que o Centro de Recolha Oficial de Ponta Delgada se transforme em canil de acolhimento”.
A responsável autárquica pelo Centro de Recolha Oficial de animais de companhia de Ponta Delgada adiantou que este colóquio surge “na sequência da necessidade de definir modos específicos de atuação e de articulação das campanhas de esterilização, nas várias vertentes sociais e legais, como forma de obter resultados mais rápidos e eficazes”.
“Ponta Delgada é o primeiro Município dos Açores e do país a promover um colóquio sobre esta temática tão importante e atual e isto acontece graças ao empenho do nosso Veterinário, Dr. Vergílio Oliveira, e à presença de um conjunto de personalidades, cujo perfil académico e a atividade profissional podem contribuir, de forma valiosa, para a definição de um modelo de atuação conducente ao controlo populacional de canídeos” - referiu a vereadora.
Luísa Magalhães alertou para a necessidade de “envolver vários parceiros estratégicos (desde as câmaras municipais, veterinários e associações, até à população em geral)” e acrescentou que “o controlo populacional é fundamental para permitir, futuramente, que a Câmara Municipal de Ponta Delgada ponha termo ao abate de animais, assim como a revisão do regulamento do canil e punição de situações de maus tratos”.
O fim dos abates é “uma vontade que, por razões éticas, mas também de redução de custos, a Autarquia já procura concretizar há vários anos” salientou a vereadora da Câmara Municipal.
“Com a realização deste colóquio, damos mais uma prova concreta do trabalho que temos vindo a desenvolver. O nosso canil foi o primeiro a ser licenciado como Centro de Recolha Oficial de animais nos Açores. É um dos poucos do país que alia a política de transparência à existência de informação estruturada. Mas queremos fazer mais e melhor. Vamos fazer mais e melhor” - afirmou Luísa Magalhães antes de deixar votos de um excelente trabalho a todos os participantes.
No decorrer dos trabalhos, as entidades envolvidas nesta área (veterinários, associações, voluntários e responsáveis políticos/autárquicos) puderam conhecer-se e mostrar e dar conhecimento do que cada um está a fazer, neste momento, em prol do bem estar animal.
O Veterinário Municipal de Ponta Delgada, Vergílio Oliveira, apresentou a realidade do Canil Municipal de Ponta Delgada: “Infelizmente, a incidência de recolha de animais tem vindo a crescer desde 2007; a entrada de animais no nosso canil é 40% maior que a Casa de animais de Lisboa. Felizmente, as adoções também cresceram, de gatos e de cães, mas não em número suficiente (não ultrapassam os 400 por ano)”.
“Há vários desafios a enfrentar e que começam na formação/informação aos munícipes. Existem muitas ações que estão a ser divulgadas e realizadas, mas que não têm tido o impacto desejado”, reforçou Vergílio Oliveira.
O Veterinário Municipal referiu a título de exemplo que “foram feitas duas campanhas mais intensivas de esterilização (60 cadelas em cada uma das iniciativas), em parceria com duas associações. Houve divulgação, foram intervenções totalmente gratuitas, mas não houve a procura que prevíamos e desejaríamos. Esperávamos receber dezenas de animais, mas o número de inscrições foi assustadoramente baixo”.
Vergílio Oliveira perante este cenário afirma que “é necessário avançar com a responsabilização dos detentores dos animais pela sua não identificação eletrónica, maus tratos e entrega de ninhadas de forma constante”.
Já Marta Videira, da Câmara Municipal de Lisboa, trouxe o seu testemunho e desmitificou a ideia de que para acabar com os canis de abate não basta apenas decidir que sim: “Não é possível, de um dia para o outro, transformar um canil de abate num canil sem abates. É preciso dinheiro, muito dinheiro. Envolvimento, espaço a nível de infraestruturas e uma boa equipa. Não basta apenas um veterinário”.
Por outro lado, Sofia Lima, da Associação Animais de Rua, expressou a sua opinião enquanto parceira da Casa de Animais de Lisboa e do Canil Municipal de Ponta Delgada no processo de captura, esterilização e devolução ao meio ambiente dos gatos silvestre referindo que “a nosso ver o que faz a Casa de Animais de Lisboa e o que faz o Canil de Ponta Delgada tem o mesmo valor, tendo em conta os recursos e o muito empenho por parte de ambas as entidades”.
A Vereadora Luísa Magalhães encerrou o colóquio “As parcerias como modelo de atuação para a implementação de canis de acolhimento” concluindo que “é necessário mudar as mentalidades, investindo ainda mais na informação e sensibilização e nós vamos fazê-lo. São necessário parcerias que trabalhem em conjunto com o Canil Municipal, pois só assim se educa uma sociedade e se muda uma realidade. É necessário continuar a esterilizar e nós vamos reforçar estas campanhas. É preciso mais fiscalização, responsabilização e punição e nós vamos estar mais atentos. Porque nós queremos fazer melhor”.
Fonte: http://www.cm-pontadelgada.pt/Site/FrontOffice/default.aspx?module=News%2FNews&id=94662
25.2.16
A tourada dos estudantes já não é o que era
A tourada dos estudantes já não é o que era
Por muito que alguns conservadores do que não interessa conservar queiram, as touradas já não são o que eram, estando cada vez mais próximo o seu fim. A sua sobrevivência nos dias de hoje só acontece devido ao forte investimento que desde sempre existiu na habituação dos mais novos e aos apoios públicos que tem recebido dos governos, autarcas e da hipócrita Comunidade Europeia.
Este ano, para desgosto de alguns, a tourada dos estudantes, realizada anualmente em Angra do Heroísmo, não existiu ou foi uma pequeníssima mostra do que foi no seu auge.
Os grandes defensores da aberração em defesa da sua dama alegam a sua antiguidade, a sua sobrevivência ao Estado Novo e a sua necessidade como escola de captação de aficionados/ toureiros.
Começando pelo fim, o saudável desinteresse manifestado pela maioria dos estudantes é sinal de que os tempos são outros e que a tortura de animais para divertimento já teve melhores dias. Além disso, demonstra que o investimento feito anualmente em eventos tauromáquicos para crianças deixou de surtir os efeitos que eles pretendiam, isto é tornar cada criança um adepto da tortura animal.
O argumento de que a tourada dos estudantes se sobreviveu ao Estado Novo também terá de continuar em regime de democracia representativa não faz qualquer sentido.
Não faz sentido, em primeiro lugar porque torturar animais é uma barbaridade que com o aumento do conhecimento que se tem sobre os animais já devia ter sido banida há muito tempo e em segundo lugar porque na tourada dos estudantes nunca ninguém levantou a sua voz contra os ditadores que governaram Portugal durante 48 anos.
A este propósito convém recordar que foi durante o Estado Novo, que a tourada dos estudantes atingiu o ponto máximo da tortura animal, tendo nos primeiros anos revestido a capa da solidariedade social, a favor da Caixa Escolar do Liceu de Angra, em 1933 e 1936 ou do Dispensário Antituberculoso, em 1935.
Ainda sobre a balela da tourada poder eventualmente incomodar o Estado Novo, pouco há a dizer já que não seriam os filhos dos “fidalgos pobres” e afins, serventuários do regime, que iriam contestar alguma coisa. Além disso, o Estado Novo servia-se da tauromaquia para divertimento dos seus seguidores e do povo em geral e para colmatar as suas falhas em termos de apoio social. A título de exemplo, cita-se a realização de uma tourada, em 1946, com a presença do Ministro da Guerra Fernando Santos Costa e das autoridades civis e militares da ilha, a realização de touradas a favor da Legião Portuguesa (em 1939), da Mocidade Portuguesa (em 1941) e a favor ou promovida pelo Movimento Nacional Feminino (em 1971, 1972 e 1973).
Sobre a tourada dos estudantes propriamente dita, começou por ser semelhante a todas as outras, com os animais a serem torturados sem apelo nem agravo, passando mais tarde a ser mais “brincadeira de rapazes e de algumas raparigas”, onde já não eram cravados ferros, como acontecia nos primeiros anos da década de 80 do século passado, onde o cortejo constituía o principal da festa.
Hoje, quando em todo o mundo se caminha para a abolição de uma prática retrógrada e bárbara, não faz qualquer sentido o regresso aos primeiros anos, de tortura extrema, nem mesmo aos tempos em que a tortura física foi mais atenuada.
Para quem viveu assistiu ou mesmo participou numa tourada dos estudantes, mas que fruto das leituras e da reflexão pessoal chegou à conclusão de que o uso de animais para divertimento não faz qualquer sentido, apenas fica alguma mágoa pela não realização do desfile, pelas ruas de Angra do Heroísmo.
Os jovens de hoje e os do futuro, estamos certos, encontrarão outras formas e meios de exteriorizar o seu humor e a sua irreverência.
Parabéns à juventude terceirense que já não participa em touradas.
J.A.
(recebido por e-mail)
23.2.16
Colóquio
COLÓQUIO
Na próxima sexta-feira, dia 26 de fevereiro, a Câmara Municipal de Ponta Delgada vai promover o colóquio “As parceiras como modelo de atuação para a implementação de canis de acolhimento” que contará com a presença de oradores com uma visão diferente dos que defendem a atual política de controlo populacional de animais errantes e não só com recurso ao abate.
Atualmente, nos Açores, a situação é semelhante há que ocorria há cem anos, que muito bem foi denunciada nos jornais locais, e que terá levado à criação das primeiras associações de proteção dos animais, em 1911, na ilha Terceira e em São Miguel. Contudo, duas diferenças existem, resultado da evolução tecnológica e não das mentalidades que continuam tão tacanhas como as de então: a primeira é que no século passado muitos animais, sobretudo os cães, eram mortos em plena rua com recurso à estricnina e hoje faz-se o mesmo, embora com outros meios, mas nos canis; a segunda, relaciona-se com o transporte para os locais de abate, se antes os animais que não morriam nas ruas eram transportados em carroças puxadas por bois, hoje há autarquias que disponibilizam recolha domiciliária, evidentemente usando veículos motorizados.
Atualmente, a situação nos Açores envergonha todos os açorianos sensíveis e de bom coração pois os abandonos não param de crescer e os canis, legalizados ou não, têm sido autênticos corredores da morte, bastando para confirmar a afirmação comparar o número de animais que dão entrada com o dos animais que conseguem ser adotados.
Em 2011, na sequência das respostas das várias autarquias ao Deputado da Assembleia da República eleito pelo CDS/PP, João Rebelo, fica-se a saber que as taxas de abates eram muito elevadas: na Lagoa, entre os 85% e os 90%, na Ribeira Grande, 82% e em Ponta Delgada era de cerca de 70%. A Câmara Municipal de Vila Franca respondeu que não tinha canil, mas sabe-se que abatia tudo ou quase tudo o que lá entrava.
Tal como está a situação é vergonhosa e insustentável e até agora ninguém foi capaz de agarrar o touro pelos cornos, isto é tomar medidas de fundo no sentido de alterar o atual estado de coisas, envolvendo toda a sociedade.
A iniciativa da Câmara Municipal de Ponta Delgada de promover o mencionado colóquio, que surge na sequência de duas campanhas de esterilização de cadelas, em parceria com associações de proteção dos animais nacionais e regionais, poderá ser o ponto de partida para o fim do flagelo do abandono e da morte certa de animais nos canis, nos Açores, e para a reabilitação da imagem do concelho e da região a nível nacional e até internacional.
Se nada houver pelo contrário, conto lá estar e aconselho a todos os amigos dos animais que tenham disponibilidade para fazerem o mesmo. Tenho a certeza que todos sairemos mais enriquecidos e motivados para continuarmos a nossa luta por uma Terra melhor para todos os seus habitantes.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30867, 23 de fevereiro de 2016, p.13)
21.2.16
Artigo de opinião de Inês Real sobre a protecção dos animais de companhia em Portugal
QUINTA-FEIRA, 23 DE FEVEREIRO DE 2012
"Quando a bioética espraia as categorias da ética para a consideração do impacto que, na nossa existência, na nossa felicidade, na assunção e cumprimento dos nossos deveres, na sedimentação da nossa personalidade, têm aspectos involuntários do nosso suporte vital - a nossa mortalidade, a nossa morbilidade, a nossa vulnerabilidade, a nossa dependência, a nossa animalidade - , não está ela já a abrir caminho a um "descentramento" da ética relativamente à consideração isoladora (e exaltadora) da condição humana? Não está ela a legitimar a consideração niveladora de interesses e problemas exclusivamente humanos (ou, ao menos, apresentados como exclusivamente humanos, seja lá isso o que for) com interesses e problemas que conseguimos reconhecer em todos aqueles que, partilhando a sua existência terrena com a espécie humana, também manifestam nessa existência a sua mortalidade, a sua morbilidade, a sua vulnerabilidade, a sua dependência, a sua animalidade?"
- Fernando Araújo, A Hora dos Direitos dos Animais, Coimbra, Livraria Almedina, 2003, p.8.
Assistimos hoje a uma crescente preocupação e atenção da sociedade civil quanto à protecção dos direitos dos animais.
Na verdade, é do conhecimento geral que a participação dos animais de companhia no seio familiar e na nossa sociedade constitui uma contribuição cientificamente comprovada para a melhoria da qualidade de vida do ser humano, bem como benefícios a nível de saúde física e psíquica.
Contudo, sobretudo em momentos de maior crise económica e de valores sociais, o flagelo do abandono animal aumenta, sendo inúmeros os apelos e esforços desenvolvidos por particulares e associações de protecção animal, para a promoção da adopção de cães e gatos de companhia, bem como para que o Governo legisle por forma a promover e salvaguardar o bem-estar animal, nomeadamente pelo controlo da população animal, adoptando medidas de esterilização massiva e melhoria das condições dos centros oficiais de recolha.
A necessidade de controlo da população animal, surge também perante o reconhecimento de que a mesma, não controlada, constitui riscos reconhecidos para a higiene, a saúde e a segurança do homem e dos outros animais, diminuindo ainda a qualidade de vida e bem-estar dos próprios animais de companhia.
Há que ter ainda consciência de que o preocupante fenómeno do abandono de animais é um flagelo que deixou de ser sazonal e que se alarga dos canídeos e felinos aos animais de quinta, bem como aos animais ditos selvagens (cujos espécimes continuam a ser detidos ilegalmente pelo homem).
Tal fenómeno deve ser combatido por todos os meios legalmente conferidos às entidades competentes, porquanto, não só o abandono é um acto cruel e degradante, que em nada dignifica o próprio ser humano, como provoca ainda um imensurável sofrimento nos animais, ao nível físico e psíquico.
Nesse mesmo sentido, defendemos que a redução de animais errantes deve ser efectuada com o mínimo de sofrimento possível, sendo um dever do Estado o encorajamento da esterilização e a adopção de medidas mais eficazes e tendentes ao controlo populacional que respeitem o bem-estar animal.
O controlo de zoonoses e de animais errantes, passa necessariamente pela realização de campanhas de esterilização, cujo efeito a médio e longo prazo se traduz numa diminuição significativa da população de animais errantes.
Olhando para o panorama legislativo no âmbito do Direito Animal, verificamos que o mesmo se encontra bastante disperso, coexistindo vários diplomas que versam sobre as diferentes áreas (animais de companhia, regime jurídico dos animais potencialmente perigosos, registo, detenção e licenciamento, pecuária, alimentação, calçado, entretenimento entre outros exemplos).
No presente artigo de opinião, iremos debruçar-nos sobre a necessidade de alterar o regime jurídico dos animais de companhia, não só pelo especial papel que representam no seio familiar e na comunidade, como também pelo representação que têm no flagelo do abandono animal, sem prejuízo de futuras considerações que nos propomos reflectir sobre o direito animal em vigor no nosso pais.
Em 16 de Fevereiro de 1993 Portugal ratificou a Convenção Europeia para protecção dos Animais de Companhia, aberta à assinatura dos Estados Membros do Conselho da Europa em 13 de Novembro de 1987 (DL n.º 13/93, de 13 de Abril, a qual reconhece que “o homem tem uma obrigação moral de respeitar todas as criaturas vivas”, os “laços particulares existentes entre o homem e os animais de companhia” e a visível e crescente importância dos animais de companhia na sociedade.
Nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”, o que quer dizer que as normas decorrentes da Convenção, que impõem o respeito pelo bem-estar animal, a proibição do abandono e dever especial de os Estados Membros salvaguardarem os direitos dos animais, vigoram directamente no nosso ordenamento jurídico, como se de uma lei interna se tratasse.
Para além da Convenção, também no âmbito do Protocolo Anexo ao Tratado de Amesterdão - o qual institui a Comunidade Europeia, foi definido um objectivo comum aos países da Comunidade Europeia, que é o de “garantir uma protecção reforçada e um maior respeito pelo bem-estar dos animais, enquanto seres dotados de sensibilidade”.
A Convenção Europeia para a protecção dos Animais de Companhia consagra dois princípios fundamentais para o bem-estar animal, estatuindo o dever de não causar inutilmente dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia e de não abandonar um animal de companhia (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º).
Tal Convenção, impõe ainda aos Estados Membros a adopção de medidas de redução do número de animais errantes que contemplem métodos que não causem dor, sofrimento ou angústia, encorajando a redução da reprodução não planificada e estabelecendo regras para a captura, detenção e abate (cfr. artigo 12.º e 13.º).
Perante a ratificação de tal instrumento legislativo, os Estados membros comprometeram-se ainda a promover programas de informação e educação (cfr. artigo 14.º), o que lamentavelmente não tem sucedido, constituindo as entidades públicas que adoptam tais iniciativas uma excepção.
Estes principios são igualmente adoptados pela legislação interna, em particular pela Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro (Protecção dos Animais), que no seu artigo 1.º proíbe expressamente todas as violências injustificadas contra animais (que conduzam à sua morte, sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões) e o abandono.
A par da Lei de Protecção Animal, encontramos em vigor no nosso ordenamento jurídico o DL n.º 276/2001, de 17 de Outubro, que estabelece medidas complementares às disposições da Convenção Europeia para Protecção dos Animais de Companhia .
No âmbito de aplicação de tal decreto-lei, encontramos algumas normas de suma importância, como, p.e., a consagração de que nenhum animal deve ser detido como animal de companhia se não estiverem asseguradas as condições de detenção e alojamento, proibição de todas as violências contra animais - “actos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento ou lesões a um animal” -, (cfr. artigo 7.º do DL n.º 276/2001, de 17 de Outubro).
Contudo, sem prejuízo dos princípios consagrados em tal diploma, a principal dificuldade com que nos deparamos quando se fala em assegurar o bem-estar animal, surge desde logo no âmbito de uma eficaz fiscalização, ainda que manifesta de uma falta de recursos técnicos e humanos, que permitam ao Estado a reposição do direito ao bem-estar animal, seja este físico ou psíquico, de acção ou por omissão, quando tal não é cumprido por parte do detentor, culminando na grande maioria das vezes em maus tratos e abandono impunes.
Por outro lado, as competências de fiscalização, inspecção e instrução de procedimento contra-ordenacional, encontram-se também elas dispersas pelas diferentes autoridades, DGV, DRA, aos médicos veterinários municipais, à Inspecção-Geral das Actividades Económicas, ao ICN, às câmaras municipais, designadamente à PM, à GNR (SEPNA), à PSP, o que dificulta a agilização de procedimentos e intervenção (cfr. artigo 66.º e ss do DL n.º 276/2001, de 17 de Dezembro.
A par da falta de cumprimento do dever de cuidado imposto aos detentores de animais de companhia, temos o problema da sobrepopulação animal e da falta de licenciamento/ condições de alojamento dos próprios centros de recolha oficial/ canis municipais.
Ora, estabeleceu o legislador que as condições dos alojamentos devem dispor aos animais o espaço adequado às suas necessidades fisiológicas e etológicas, de acordo com as normas de higiene e em respeito pelos factores ambientais, com sistemas de protecção, com adequada alimentação, abeberamento e cuidados de saúde (cfr. artigo 18.º e ss. e 39.º e ss. e respectivos Anexos, do DL n.º 276/2001, de 17 de Outubro).
Lamentavelmente os Centros de Recolha Oficial (CRO) ao nível nacional não respeitem, em regra, as condições legalmente impostas, infligindo aos animais um sofrimento físico e psíquico moralmente inaceitável.
Recentemente, foi colocada uma providência cautelar contra o Canil Municipal de Lisboa, a qual foi considerada procedente (Processo n.º 295/11.4BELSB que correu termos no Tribunal de Círculo Administrativo), porquanto, em suma, deu como provado que o CRO “manifestamente não tem as condições exigidas pela lei em vigor e aplicável”.
Pelo exposto, urge assim dar resposta aos desafios que a sociedade, o tempo e o legislador comunitário lançaram, de uma maior e melhor promoção do bem-estar animal, fiscalização, adopção de medidas de controlo populacional que contemplem a esterilização e uma maior adequação da lei à eminente sensibilidade e consciência social quanto à protecção dos animais de companhia.
Resta-nos concluir que, olhar para condição dos animais, é também olhar para condição, dignidade e elevação do ser humano, sob pena de incorrermos até numa “arrogância especista”.
Assim, o Partido pelos Animais e pela Natureza – PAN, lança o desafio ao Governo que, através da sua competência legislativa, eleve o estatuto jurídico dos animais sencientes, promovendo o respeito pelo seu bem-estar, nomeadamente através das seguintes iniciativas:
- Alteração do Estatuto Jurídico dos Animais sencientes no Código Civil, reconhecendo que os mesmos não são coisas e que podem ser objecto de relações jurídicas;
- Introdução na Constituição da República Portuguesa do dever do Estado Português salvaguardar o bem-estar animal, mediante Revisão Constitucional, que consagre na alínea e) do artigo 9.º esse mesmo dever;
- Criação de um programa de esterilização nacional dos animais errantes, como medida de controlo da sobrepopulação animal;
- Adopção de uma política de não abate dos animais errantes recolhidos nos centros de recolha oficiais, adoptando, nomeadamente, meios eficazes de controlo da reprodução, destinando-se a aplicação de eutanásia - «boa morte» - unicamente aos casos em que o animal não tenha qualquer recuperação clinicamente possível e sempre por decisão do médico-veterinário responsável;
- Alteração do actual papel do centros de recolha oficial, deixando este de ser focado essencialmente na garantia da saúde pública, para que passe a ter um papel de recuperação dos animais errantes com o fim de adopção (promoção de uma política de recuperação clínica, física e psicológica dos animais que se encontram à sua guarda);
– Determinar a obrigatoriedade de esterilização de todos os animais que se encontram à guarda dos centros de recolha oficial e não reclamados nos prazos legais;
– Criação de um programa nacional de formação dos responsáveis e funcionários dos centros de recolha oficial em ‘Bem Estar Animal’, proporcionando uma maior e melhor adequação das suas competências técnicas, garantindo os meios para a actualização anual da formação, nomeadamente a dos médico-veterinários municipais e que vise assegurar o cumprimento das normas de saúde e bem -estar animal;
— Melhoria das condições de alojamento dos centros de recolha oficial de meios, adequando as mesmas às necessidades, físicas, psíquicas e higieno-sanitárias, bem como, dotando-as de condições para a realização de tratamentos médico-veterinários, cumprindo as normas de saúde e bem-estar animal;
— Prever meios para que os centros de recolha oficiais possam realizar a esterilização dos animais errantes recolhidos, em especial dos não reclamados nos prazos legais;
– Reforço da fiscalização na área do bem-estar animal, nomeadamente dotando as entidades competentes de meios técnicos e humanos que permitam uma actuação mais eficaz;
— Promoção de campanhas de sensibilização pública e dos detentores de animais contra o abandono, assim como para a adopção responsável dos animais recolhidos nos centros de recolha oficial;
— Prever que os animais a cargo de associações de protecção dos animais ou de detentores em incapacidade económica possam aceder a tratamentos médico-veterinários, nomeadamente a prática de esterilização, a preços simbólicos, nos centros de recolha oficiais;
— Corrigir as falhas existentes ao nível dos sistemas de registo dos animais, como é o caso do SICAFE (Sistema de Identificação de Caninos e Felinos), e SIRA promover a unificação das várias bases de dados de identificação de cães e gatos e dando a possibilidade de registo automático nos centros médico-veterinários públicos e privados;
— Realização de programas RED (recolha, esterilização e devolução) em colónias de animais de rua estabilizadas e instituir o conceito de «cão ou gato comunitário» que garanta a protecção legal dos animais que são cuidados num espaço ou numa via pública limitada cuja guarda, detenção, alimentação e cuidados médico-veterinários são assegurados por uma parte de uma comunidade local de moradores devidamente identificada através de um dos seus membros no centros de recolha oficial da área de responsabilidade.
(Artigo de opinião de Inês Real, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PAN e membro do grupo de trabalho sobre Animais do PAN).
https://media.licdn.com/mpr/mpr/shrink_100_100/p/3/005/06e/108/1d3547c.jpg
QUEM É INÊS REAL?
Inês Sousa Real é a Provedora Municipal dos Animais de Lisboa.
Licenciada em Direito e com um mestrado em Direito Animal, Inês Real é membro co-fundador e da Comissão Directiva da Jus Animalium, Associação de Direito Animal.
15.2.16
A Sociedade Protectora dos Animais de Angra do Heroísmo
Aos 22 dias do mês de Maio de 1911, foi criada, em Angra do Heroísmo, a SPAAH - Sociedade Protectora dos Animais de Angra do Heroísmo, instituição que tinha por fim, de acordo como art. 1 dos seus estatutos, “proteger dos maus tratos todos os animais não considerados daninhos… e animar o exercício da caridade para com os animais, estabelecendo para isso prémios e recompensas sempre que permitam os recursos da sociedade”.
E quem era o público-alvo dos prémios e recompensas referidos?
A leitura do artigo 11º é esclarecedora quando menciona que poderão recebê-los lavradores, pastores, cocheiros, carroceiros e quaisquer outras pessoas cuja conduta para com os animais ia ao encontro aos fins da SPAAH.
Curioso é conhecermos o que consideravam os estatutos maus tratos aos animais. Abaixo, transcrevemos o que consta do artigo 32º:
1- Ferir, espancar, aguilhoar violentamente e usar de violências reprovadas para com os animais;
2- Oprimi-los com trabalho ou cargas superiores às suas forças;
3- Privá-los de alimentação e dos cuidados ordinários quer na saúde quer na doença;
4- Expô-los ao frio ou ao calor excessivo, sem reconhecida necessidade;
5- Fazer trabalhar os animais feridos, estropiados ou aleijados e pôr os arreios sobre as feridas;
6- Obrigá-los a uma fadiga excessiva sem o indispensável descanso;
7- Fazê-los levantar do chão à força de pancadas, quando caem extenuados pelo peso da carga;
8- Abandoná-los quando estropiados ou doentes;
9- Abatê-los por meios que não produzem a morte instantânea.
Com a mecanização de toda a vida, alguns dos maus tratos mencionados, por recaírem sobre animais usados no transporte de cargas diversas, já não estarão na ordem do dia. Hoje, para além de casos de pura malvadez, os principais problemas são o abandono de animais de companhia, o tratamento “desumano” a que é submetido o gado bovino, nomeadamente quando é forçado a conviver com lama até aos “joelhos” e a tortura extrema e desnecessária a que é submetido o gado bravo nas touradas de praça, nas tentas e ferras e os maus tratos de que são vítimas nas restantes manifestações tauromáquicas.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30861, 16 de fevereiro de 2016, p.13)
13.2.16
1.2.16
Estorninhos
Estorninhos
O estorninho, também conhecido por estorno (Sturnus vulgaris granti) é uma ave da família Sturnidae de muito fácil identificação. Carlos Pereira, no livro Aves dos Açores, editado pela SPEA, escreve que é muito fácil distingui-lo do melro-preto através do “seu bico comprido e pontiagudo” e da sua plumagem que é “preta e pontuada de pequenas manchas brancas (Inverno) ou nuanceada de reflexos metálicos verde- arroxeados”.
O escritor Raúl Brandão que visitou os Açores em 1924, no livro “As ilhas desconhecidas” escreveu que observou estorninhos pousados nas hastes dos bois a catar moscas, situação que ainda hoje, embora mais rara, é possível encontrar.
Quando fomos alunos da Escola Secundária Antero de Quental entre 1973 e 1975, ao fim da tarde as araucárias localizadas em frente estavam sempre pejadas de estorninhos que para lá se deslocavam para pernoitar. Hoje, pelo fato de serem em menor número ou por não encontrarem alimento pelas redondezas, tal já não acontece.
Em 1969, a situação era semelhante, isto é as araucárias do jardim fronteiro ao Liceu já eram dormitório dos estorninhos, tal como eram duas palmeiras localizadas em frente a um antigo Posto da Polícia. Também eram dormitórios de estorninhos o ilhéu de São Roque e o ilhéu de Vila Franca do Campo para onde se deslocavam em enormes bandos que se assemelhavam a nuvens negras.
A utilidade dos estorninhos para a agricultura foi reconhecida desde muito cedo, por isso se dizia que não era bom para se comer. Com efeito, tanto nos milheirais, como nos favais ou nas pastagens os bandos de estorninhos limpavam todos os insetos prejudiciais.
Em 1969, os estorninhos eram alvo de perseguição por parte de “caçadores (alguns) caçarretas, meninos e até meninas” que abatiam tudo o que lhes aparecia pela frente.
Hoje, infelizmente, é o próprio governo que concede autorizações pontuais para o abate de uma subespécie só existente no nosso arquipélago e cuja conservação devia ser motivo de orgulho para todos açorianos.
Até quando?
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30849 de 2 de fevereiro de 2016, p.13)
Subscrever:
Mensagens (Atom)