25.10.16

FERNÃO BOTTO MACHADO E A ABOLIÇÃO DAS TOURADAS



FERNÃO BOTTO MACHADO E A ABOLIÇÃO DAS TOURADAS

Fernão Botto Machado foi um solicitador e jornalista que, embora autodidata, possuía uma vasta cultura, tendo nascido, em Gouveia, em 1865 e falecido, em 1924, em Lisboa.
Foi um ativo militante político na área socialista e republicana e participou nas ações que conduziram à implantação da República.
Depois da implantação da República foi eleito deputado à Assembleia Constituinte de 1911, tendo-se destacado como orador e autor de diversas propostas legislativas, com destaque para uma proposta de Constituição da República.
A proposta de Constituição da República de Botto Machado apresenta no Título VII intitulado “Altruísmo e solidariedade social” um conjunto de medidas conducentes à proteção dos mais fracos, nomeadamente das classes trabalhadoras, e inclui o artigo 127º com o seguinte teor: A República Portuguesa empenhará todos os seus esforços para extinguir as touradas.
No seu discurso proferido na Assembleia Constituinte, mais tarde editado em livro, Botto Machado referiu-se às touradas nos seguintes termos: “Esse cruel e perigoso sport só é defendido nos nossos dias, ou por interesses de exploração ou por aficionados del redondel, mas sem fundamentos que o justifiquem e sem sequer razões que o desculpem.”
Em relação ao (pretenso) carácter benemérito de algumas touradas, Botto Machado denunciou-o veementemente nos seguintes termos:
“A sua caridade, fria, egoísta, incerta e desigual, visto que era só para os seus adeptos; belo luxo, porque lhes dava ensejo para ostentações caras; hipócrita, porque visava criar anjos de caridade com asas de pau e coração de pedra... a sua caridade, em regra, procurava receitas imundas, ou à custa da tortura e da agonia de animais nobres e bons como os bois, e lindos, amorosos e elegantes como os pombos, ou à custa do suor do povo que caía nas armadilhas, e do sangue e da vida de picadores que morriam nas arenas, como no caso trágico do cavaleiro Fernando de Oliveira.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31064, 25 de outubro de 2016, p.7)

17.10.16

Goya e a tauromaquia


Goya e a tauromaquia

Muito recentemente adquiri a publicação “A Vida e a Arte de Goya”, inserida na publicação quinzenal “Iniciação – Cadernos de Informação Cultural”, editada, em 1943, pelo Professor Agostinho da Silva.

Francisco José de Goya y Lucientes (1746 - 1828) foi um pintor e gravador espanhol que, segundo Agostinho da Silva, embora mantendo relações com gente da corte não perdeu a independência e o “gosto de livre crítica”, continuando a ser um “homem do povo do nascimento à morte”.

Nos últimos anos da sua vida, “apesar da velhice e da doença, a sua capacidade de trabalho não diminui” tendo gravado “os Provérbios e a Tauromaquia”

Talvez pelo simples facto de ter obras sobre a tauromaquia, Goya foi, durante muitos anos, considerado um defensor das touradas, tendo sido um dos grandes vultos da cultura citado pelos adeptos das mesmas em defesa da sua continuação. A título de exemplo, ainda em 2010, Ignacio Gonzalez, vice presidente da Comunidade de Madrid socorria-se do “interesse de grandes artistas pelo espetáculo taurino”, entre eles Goya, para anunciar que o seu governo iria declarar as touradas como “bem de interesse cultural”.

Através de uma leitura mais recente da obra de Goya, os especialistas chegaram à conclusão de que ao contrário de ser defensor das touradas aquele terá sido um crítico da violência tauromáquica.

José Manuel Matilla, conservador do Museu do Prado, referindo-se a uma exposição sobre Goya que esteve patente naquele museu escreveu:

"A crítica romântica apresenta um Goya taurino, que inclusive na juventude chegou a tourear, mas essas gravuras são uma grande crítica à tauromaquia, especialmente pela enorme violência para toureiros e cavalos. A série termina com a morte de Pepe Hillo na Praça de Madrid, o mais famoso toureiro, que levou à proibição de touradas. Para Goya, as touradas não são ações heroicas, mas sim o medo e o terror, a morte, a violência e a irracionalidade”.
Segundo Sabela Rodríguez Álvarez, aquando da inauguração da referida exposição o escultor, Juan Bordes, destacou “quatro pinturas batizadas como Los toros de Burdeos, que mostram “o touro como o único inocente”, frente aos rostos do público e dos toureiros, que são representados de forma "monstruosa", como a personificação de "quem quer se alimentar de sangue”.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31058,18 de outubro de 2016, p. 14)

11.10.16

Ferro Alves e as touradas



As touradas vistas por Leonel Ferro Alves

No último texto, apresentamos a visão de Leonel das Dores Ferro Alves sobre a ilha de São Miguel. Hoje aproveitamos o espaço que nos é disponibilizado para dar a conhecer como ele viu uma tourada à corda na ilha Terceira, onde esteve deportado durante quinze dias.

Com referimos no texto anterior, Ferro Alves quando escreveu o livro “A Mornaça” já havia aderido ao Estado Novo, depois de ter participado, em 1931, na Revolta da Madeira e dos Açores que pretendia derrubar a Ditadura Militar.

A seguir, apresentamos alguns extratos de um relato do que viu Ferro Alves, que como aficionado de touradas queria mais, isto é queria que os touros marrassem mais. Segundo ele “a mornaça transforma em insipidez, os mais emocionantes espetáculos”.

Tal como outros autores, como por exemplo o terceirense Alfredo da Silva Sampaio, que descreveram as touradas à corda antes dele, Ferro Alves refere as agressões de que eram vítimas os animais por parte dos participantes, como se poderá confirmar pelos seguintes excertos:

“Na praça da terra reúnem-se todos os habitantes no meio de uma chinfrineira aguda empunhando cacetes e com mais abundância guarda-chuvas. Esse instrumento antipático e avelhado disfruta aqui de irresistíveis simpatias”

“Animados pela mansidão do cornúpeto, los diestros, puxam-lhes o rabo, espicaçam-no com a ponta das malditas sombrinhas, provocam-no com lenços escarlates…”.

“O espetáculo termina com a lide de alguma vaca, mãe respeitada de numerosa prole. Insensível aos guarda-chuvas e às chaquetas permanece estática no meio da praça entre as chufas da multidão. Para arrancá-la à sua passividade chegam a picá-la com sovelas. Eu vi uma tão pachorrenta, que um indígena no meio do entusiasmo da assistência, puxava-lhe cinicamente as orelhas”.

Ferro Alves, muito crítico das “oligarquias” que governavam e dominavam os Açores, no seu livro escreve: “Nestas touradas somente tomam parte como aficionados elementos populares. Os filhos dos sobas e régulos, classifico assim os personagens locais, abstêm-se de participar nestes folguedos. A sua seriedade de jarrões impede-os de se misturarem a tudo o que seja dinamismo.”

A afirmação anterior não contradiz o que sobre o assunto escreveu Paulo Silveira e Sousa, no texto “As elites, o quotidiano e a construção da distinção no distrito de Angra do Heroísmo durante a segunda metade do século XIX” (http://hdl.handle.net/10400.3/399) publicado na revista Arquipélago História, em 2004, que referindo-se às touradas à corda na segunda metade do século XIX, escreve:

“As touradas eram um palco para demonstrações de força, de destreza, e para as relações entre classes segundo o velho modelo paternalista e hierárquico. Apesar de serem frequentadas por todos os grupos sociais, tanto urbanos como rurais, não podemos daqui inferir apressadamente a conclusão de que estas eram uma espécie de espaço igualitário. Só aparentemente a tourada era um espaço sem distinções de classe. A marca do ganadeiro que apresentava os touros, a presença das suas equipes, dos seus pastores, ou a sua própria presença pessoal criavam logo diferenças, dando-lhe visibilidade e notoriedade….Entre os senhores de gravata da cidade, as suas esposas e filhas, que de um balcão seguro observavam o touro, e os camponeses descalços que corriam fugindo das investidas do animal, as diferenças estavam novamente bem claras.

Sobre a atividade propriamente dita, Ferro Alves acrescenta:

“O animal resolve-se finalmente a investir depois de laboriosa deliberação. Os artistas abandonam a presa e os instrumentos de combate. Se porventura o triste novilho consegue alcançar algum dos seus algozes, rasgando-lhe com uma cornada o fundilho das calças, o gentio delira. Há palmas e vivas, desmaios e chiliques. Os marmanjões que sustentam a corda que prende o bicho puxam dela desesperadamente até que imobilizam completamente o bicharoco. Se este num movimento ocasional se volta, enfrentando-se com os moços de corda, então o pânico é indescritível.

Um autêntico salve-se quem puder. Os muros e as árvores são impotentes para conter a correria vertiginosa, alucinada, dos pretensos campinos. Chiam como ratazanas aprisionadas na ratoeira”.


Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31053, 12 de outubro de 2016, p.16)

Imagem: https://www.facebook.com/Basta.pt/photos/a.472890756075069.108951.143034799060668/1253462631351207/?type=3&theater

As primeiras associações de Proteção dos Animais



As primeiras associações de Proteção dos Animais


A primeira associação criada em Portugal com o fim de defender da malvadez humana “os pobres seres, zoologicamente a nós inferiores” terá sido criada por “um conjunto de cidadãos portugueses e ingleses”, em Lisboa, no ano de 1875, com a designação de “Sociedade Protetora dos Animais”.

Três anos mais tarde, em 1878, surgiu na cidade do Porto uma associação congénere com a denominação de Sociedade Protetora dos Animais do Porto (SPAP), a qual durante alguns anos foi dirigida por um açoriano.

De acordo com Alice Moderno, a Sociedade Protetora dos Animais do Porto, presidida pelo micaelense Dr. José Nunes da Ponte, em 1913, que realizava um trabalho, “que tanto honra e levanta o nível moral da cidade onde se expande e progride”, devia servir de incentivo e exemplo aos micaelenses que dois anos antes haviam tomado nas suas mãos a criação da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais.

No ano referido, a SPAP disponha de uma receita de 1505 escudos, na moeda portuguesa, ou sejam 1881 escudos na moeda insulana, o que lhe permitia “proteger eficazmente os animais, mantendo fontenários, distribuindo prémios, custeando um posto veterinário, tendo empregados remunerados, escritório com telefone, que prontamente comunica com todos os pontos da cidade, etc. etc.”

Nos Açores, embora a ideia da criação de uma associação de proteção dos animais seja mais antiga e as primeiras reuniões tenham ocorrido em 1908, a primeira organização que se formou foi a Sociedade Micaelense Protetora dos Animais (SMPA), com estatutos elaborados tendo por base os da Sociedade Protetora dos Animais, de Lisboa.

Legalizada a SMPA, a 13 de Setembro de 1911, foram seus fundadores: Caetano Moniz de Vasconcelos (governador civil), Alfredo da Câmara, Amâncio Rocha, Augusto da Silva Moreira, Fernando de Alcântara, Francisco Soares Silva, José Inácio de Sousa, Joviano Lopes, Manuel Botelho de Sousa, Manuel Resende Carreiro, Marquês de Jácome Correia, Miguel de Sousa Alvim, Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa.
No ano em que foram aprovados os estatutos da SMPA, surgiu na ilha Terceira, com o fim de “proteger dos maus tratos todos os animais não considerados daninhos… e animar o exercício da caridade para com os animais, estabelecendo para isso prémios e recompensas sempre que permitam os recursos da sociedade”, a SPAAH - Sociedade Protetora dos Animais de Angra do Heroísmo.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31052, 11 de outubro de 2016, p.16)

4.10.16

No Dia do Animal



NO DIA DO ANIMAL

“É bendita a propaganda que se faça a favor dos animais; e é bendita, porque significa Bondade, porque sobretudo tende a minorar o sofrimento dos maiores amigos do homem” (Alice Moderno)
Hoje, 4 de Outubro, celebra-se, uma vez mais, o Dia Mundial do Animal que, de acordo com algumas fontes, terá sido declarado em 1929, num Congresso de Proteção Animal realizado na Áustria.
A escolha do dia está relacionada com a data da morte de São Francisco de Assis, 4 de Outubro de 1226, que em sua vida amou e protegeu os animais, tendo chegado a comprar aves engaioladas apenas com o objetivo de as soltar e de as ver de novo em liberdade.
Nos Açores, quando se comemora o Dia do Animal não se pode esquecer todos os que ao longo da sua vida tudo fizeram para que os animais tivessem uma vida mais digna. Entre estas pessoas, destaca-se a figura de Alice Moderno, uma das fundadoras e grande dinamizadora da SMPA- Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, de 1914 a 1946.
A maioria das associações e das pessoas que se dedicam à causa animal têm com o seu ativismo um duplo objetivo, defender os animais e educar os humanos. Este desiderato, que não é recente, é bem evidenciado no extrato seguinte, publicado no Zoophilo em 1877: “(…)minorar as sevecias inuteis contra os animaes prestadios, melhorar as condições da sua, forçadamente curta e precaria existência entre nós, seus senhores naturaes, e em summa, e principalmente, por meio do irracional civilisar o homem; essa é a nossa questão; a isso tendem os nossos esforsos (…) levantar o seu nível moral”.

Apesar do Dia do Animal já ser comemorado há cerca de 90 anos e da (pretensa) evolução das mentalidades, hoje os militantes da causa animal continuam a ser vítimas da incompreensão por parte de um sector da sociedade, que por vezes nada faz para que tanto pessoas como animais tenham uma vida mais digna.

O principal argumento usado por alguns políticos, aos mais diversos níveis, para humilhar os defensores dos animais e para menosprezar a causa é o de sempre, isto é considerar que há sempre outra causa que merece ser defendida e que é prioritária. Dar-lhes-ia o benefício da dúvida se eles não fossem os principais responsáveis pelas dificuldades e injustiças de que são vítimas os humanos, para além de também serem corresponsáveis pela falta de civismo e de educação.

Uma resposta a estes ataques já foi dada, em 1909, pela SPAP-Sociedade Protetora dos Animais do Porto que respondeu da seguinte forma: “a proteção contra os maus tratos dos animaes não humanos não prejudica a prática da caridade, antes educa para a bem exercer”. Não sei em que sentido a SPAP usou a palavra caridade, mas apenas concordo com ele se for o que é atribuído por Agostinho da Silva que escreveu: “tempo virá de caridade, entendendo-se caridade não como aquele suplemento de humilhação que se leva aos que caíram na luta, mas como amor irrestrito que, embora consciente dos defeitos do amado, o ama sem pensar em saldo positivo ou negativo”.

Teófilo Braga
( Correio dos Açores, 31047, 4 de outubro de 2016, p.13)