11.10.16

Ferro Alves e as touradas



As touradas vistas por Leonel Ferro Alves

No último texto, apresentamos a visão de Leonel das Dores Ferro Alves sobre a ilha de São Miguel. Hoje aproveitamos o espaço que nos é disponibilizado para dar a conhecer como ele viu uma tourada à corda na ilha Terceira, onde esteve deportado durante quinze dias.

Com referimos no texto anterior, Ferro Alves quando escreveu o livro “A Mornaça” já havia aderido ao Estado Novo, depois de ter participado, em 1931, na Revolta da Madeira e dos Açores que pretendia derrubar a Ditadura Militar.

A seguir, apresentamos alguns extratos de um relato do que viu Ferro Alves, que como aficionado de touradas queria mais, isto é queria que os touros marrassem mais. Segundo ele “a mornaça transforma em insipidez, os mais emocionantes espetáculos”.

Tal como outros autores, como por exemplo o terceirense Alfredo da Silva Sampaio, que descreveram as touradas à corda antes dele, Ferro Alves refere as agressões de que eram vítimas os animais por parte dos participantes, como se poderá confirmar pelos seguintes excertos:

“Na praça da terra reúnem-se todos os habitantes no meio de uma chinfrineira aguda empunhando cacetes e com mais abundância guarda-chuvas. Esse instrumento antipático e avelhado disfruta aqui de irresistíveis simpatias”

“Animados pela mansidão do cornúpeto, los diestros, puxam-lhes o rabo, espicaçam-no com a ponta das malditas sombrinhas, provocam-no com lenços escarlates…”.

“O espetáculo termina com a lide de alguma vaca, mãe respeitada de numerosa prole. Insensível aos guarda-chuvas e às chaquetas permanece estática no meio da praça entre as chufas da multidão. Para arrancá-la à sua passividade chegam a picá-la com sovelas. Eu vi uma tão pachorrenta, que um indígena no meio do entusiasmo da assistência, puxava-lhe cinicamente as orelhas”.

Ferro Alves, muito crítico das “oligarquias” que governavam e dominavam os Açores, no seu livro escreve: “Nestas touradas somente tomam parte como aficionados elementos populares. Os filhos dos sobas e régulos, classifico assim os personagens locais, abstêm-se de participar nestes folguedos. A sua seriedade de jarrões impede-os de se misturarem a tudo o que seja dinamismo.”

A afirmação anterior não contradiz o que sobre o assunto escreveu Paulo Silveira e Sousa, no texto “As elites, o quotidiano e a construção da distinção no distrito de Angra do Heroísmo durante a segunda metade do século XIX” (http://hdl.handle.net/10400.3/399) publicado na revista Arquipélago História, em 2004, que referindo-se às touradas à corda na segunda metade do século XIX, escreve:

“As touradas eram um palco para demonstrações de força, de destreza, e para as relações entre classes segundo o velho modelo paternalista e hierárquico. Apesar de serem frequentadas por todos os grupos sociais, tanto urbanos como rurais, não podemos daqui inferir apressadamente a conclusão de que estas eram uma espécie de espaço igualitário. Só aparentemente a tourada era um espaço sem distinções de classe. A marca do ganadeiro que apresentava os touros, a presença das suas equipes, dos seus pastores, ou a sua própria presença pessoal criavam logo diferenças, dando-lhe visibilidade e notoriedade….Entre os senhores de gravata da cidade, as suas esposas e filhas, que de um balcão seguro observavam o touro, e os camponeses descalços que corriam fugindo das investidas do animal, as diferenças estavam novamente bem claras.

Sobre a atividade propriamente dita, Ferro Alves acrescenta:

“O animal resolve-se finalmente a investir depois de laboriosa deliberação. Os artistas abandonam a presa e os instrumentos de combate. Se porventura o triste novilho consegue alcançar algum dos seus algozes, rasgando-lhe com uma cornada o fundilho das calças, o gentio delira. Há palmas e vivas, desmaios e chiliques. Os marmanjões que sustentam a corda que prende o bicho puxam dela desesperadamente até que imobilizam completamente o bicharoco. Se este num movimento ocasional se volta, enfrentando-se com os moços de corda, então o pânico é indescritível.

Um autêntico salve-se quem puder. Os muros e as árvores são impotentes para conter a correria vertiginosa, alucinada, dos pretensos campinos. Chiam como ratazanas aprisionadas na ratoeira”.


Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31053, 12 de outubro de 2016, p.16)

Imagem: https://www.facebook.com/Basta.pt/photos/a.472890756075069.108951.143034799060668/1253462631351207/?type=3&theater

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